A FENACERCI – Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social está a construir, em parceria com as suas associadas e com o apoio científico e metodológico do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL), da Universidade Lusíada, uma Carta Compromisso para o Acesso aos Direitos e Inclusão Comunitária.
Este documento, que integra uma profunda reflexão sobre o tema da desinstitucionalização, foi um dos assuntos em análise no decurso do II Encontro Olhares sobre a Deficiência, que decorreu no passado dia 19 de junho, na Universidade Lusíada, em formato híbrido (presencial e online).
Constituída por 10 princípios orientadores da atividade das organizações de apoio às pessoas com deficiência intelectual, a Carta Compromisso pretende evidenciar o caminho de combate a uma “cultura institucionalizante” que estas organizações têm feito ao longo da sua existência.
Na sua intervenção, o professor Michel Binet salientou a forte influência do conceito de «instituição total» desenvolvido por Goffman na década de 60 sobre o atual discurso político da desinstitucionalização. Um retrato sociológico altamente institucionalizante e limitador de direitos que não corresponde à visão e à prática das organizações de suporte às pessoas com deficiência.
Neste âmbito, foram apresentadas as principais conclusões do autodiagnóstico organizacional das associadas da FENACERCI, realizado com base numa tabela de critérios desenvolvidos pelo ISSSL – UL.
Constituídas maioritariamente por cooperativas de solidariedade social, as associadas da FENACERCI são organizações de base comunitária com foco de intervenção na capacitação, participação, promoção da autonomia e apoio à tomada de decisão das pessoas apoiadas, no respeito pela individualidade e preocupação com a humanização das respostas, serviços e apoios.
As organizações identificam ainda a necessidade de constante avaliação e monitorização das intervenções, de reforço dos níveis de participação e de mobilização da comunidade, e de capacitação dos recursos humanos para a autonomia e para o respeito pelo direito à decisão.
Na sequência desta reflexão, surge a Carta Compromisso para o Acesso aos Direitos e Inclusão Comunitária, que consagra os seguintes princípios: 1) Valorizar a pessoa; 2) Valorizar a comunidade; 3) Cooperação de base comunitária; 4) Qualidade dos apoios; 5) Política da prevenção da violência; 6) Capacidade de adaptação à mudança centrada na pessoa; 7) Valorizar a diversidade de apoios (tendo em vista serviços adaptados às pessoas com maiores necessidades de apoios); 8) Sustentabilidade organizacional; 9) Intervir e transformar; 10) Promover a investigação e inovação.
Esta Carta assume-se como «um contrato ético» num quadro de promoção de direitos e numa «arquitetura de diálogo», segundo Joaquim Pequicho, administrador executivo da FENACERCI.
Ao retrato superficial do conceito »instituição total», que vê as organizações como uma ameaça ao caminho da autonomia, a FENACERCI contrapõe uma cooperação de base comunitária centrada na valorização da pessoa, na capacitação das diferentes partes interessadas, na qualidade dos apoios e na capacidade de adaptação à mudança.
Nesta reflexão em torno dos caminhos da desinstitucionalização, foi partilhada a experiência da Plena Inclusión España, que tem em curso o projeto “Mi Casa – Una vida en Comunidad”, financiado por fundos europeus.
De acordo com o presidente da Plena Inclusión, Enrique Galván, este projeto consiste na implementação de soluções inovadoras de transição de contexto de lar residencial para habitação comunitária e serviços de apoio personalizado, em pessoas com deficiência intelectual e/ou multideficiência (algumas das quais com forte necessidade de apoio).
O II Encontro Olhares sobre a Deficiência é um dos produtos da parceria estabelecida entre a FENACERCI e o Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, visando fortalecer a intervenção, investigação e formação aplicadas ao setor social e solidário.